UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Instantes


Se eu pudesse viver novamente a minha vida, 
a próxima trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais.
Seria mais tolo ainda do que tenho sido, 
na verdade bem poucas coisas levaria à sério.
Seria menos higiênico.
Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios.
Iria a lugares onde nunca fui, 
tomaria mais sorvete
e menos lentilha, teria mais problemas
reais e menos problemas imaginários.
Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata 
e produtivamente cada minuto da sua vida; claro que tive momentos de alegria.
Mas, se pudesse voltar a viver, trataria de ter somente bons momentos.
Porque, se não sabem, disso é feita a vida, 
só de momentos, não percas o agora.
Eu era um desses que nunca ia a parte alguma sem um termômetro, 
uma bolsa de água quente, 
umguarda-chuva e um pára-quedas;
se voltasse a viver viajaria mais leve.
Se eu pudesse voltar a viver, começaria a andar 
descalço no começo da primavera e continuaria
assim até o fim do outono.
Daria mais voltas na minha rua, 
contemplaria mais amanheceres 
e brincaria com mais crianças, se
tivesse outra vez uma vida pela frente.
Mas, já viram, tenho 85 anos e sei que estou morrendo...

(Autor: Jorge Luis Borges)

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