UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

terça-feira, 18 de maio de 2010

Um enorme coração

Amar o próximo como a si mesmo é preceito evangélico
exaustivamente repetido.

Acontece que, quase sempre, não sabemos exatamente o que
significa.

Como demonstrar amor ao próximo?
Às vezes,marcamos data e vamos visitar um asilo.
Preocupamo-nos em levar coisas para os idosos:
doces, frutas, guloseimas.
E vamos distribuindo, de mão em mão,
meio às pressas.

De outras vezes, deixamos de ir porque
dizemos não ter dinheiro para
comprar algo para levar.
Como chegar de mãos vazias?

Nem pensamos que, para aquelas criaturas solitárias, quase
sempre esquecidas dos familiares, o mais importante é alguém
se dar.

Isto significa segurar suas mãos, levar uma tesourinha e
cortar suas unhas.
Lixá-las.
Colocar um esmalte.
Tomar de um pente e escova e fazer um penteado diferente.

Qual a mulher, de qualquer idade, que não gosta de se sentir
bonita?

Amar o próximo é servi-lo onde se encontra, na circunstância
que se apresente. Ceder o lugar no ônibus é sinal de
urbanidade.

Mas, convidar o idoso, deficiente ou a mãe com o bebê ao colo
a se sentar, com um sorriso nos lábios e uma frase sugestiva,
como: Sente-se aqui. Ficará mais confortável" - é amor ao
próximo.

Estar atento ao que ocorre ao redor de si.
O que nos recorda daquela sorveteria famosa,
sempre lotada nos dias de calor.
Sorvete delicioso.
Sabores variados.
Clientela bem atendida.

Homens, mulheres, crianças, todos fazem fila e aguardam
pacientemente a sua vez.

Tudo por um sorvete gostoso.
Refrescante.

A menina sozinha, com o dinheiro na mão, também entrou na
fila.

Esperou, sem reclamar, mesmo quando uns garotos passaram à
sua frente, sem cerimônia e sem polidez.

Quando chegou ao caixa, antes que pudesse falar qualquer
coisa, o funcionário lhe ordenou que saísse e lesse o
cartaz na porta.

Ela baixou a cabeça, engoliu em seco e saiu. E leu o cartaz,
bem grande, na porta de entrada: PROIBIDO ENTRAR DESCALÇO!

Olhou para os seus pés descalços e sentiu as lágrimas
chegarem aos olhos. O gosto do sorvete não comprado se
diluindo na boca.

Ia se retirando, cabisbaixa, quando uma mão forte a tocou no
ombro.
Era um homem alto, grande.
Para a menininha, ele parecia um gigante.

Foi com ela até o meio-fio, sentou-se e tirou os seus sapatos
número 44 e os colocou em frente a ela.

Depois, a suspendeu e enfiou os pés dela nos seus sapatos.
"Eu fico aqui, esperando." - disse ele.
"Vá buscar o seu sorvete! Não tenho pressa."

Ela foi deslizando os pés, arrastando os sapatos, até o
caixa.

Comprou sua ficha e saiu, vitoriosa, com seu sorvete na mão.

Quando foi devolver os sapatos para aquele homem, de pés
grandes, barriga grande, ela se deu conta de que se ele tinha
pés enormes, muito maior ainda era o seu coração.

Amar ao próximo é fazer a alegria de alguém, por mais
insignificante que ela possa parecer.

É ter olhos de ver a necessidade embutida nos olhos tristes.

É ter ouvidos de ouvir os soluços afogados na garganta e os
pedidos jamais expressos.

Amar ao próximo é simplesmente ter a capacidade de olhar um
pouco além de si mesmo.

(Autor Desconhecido)

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