UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

sábado, 29 de maio de 2010

O Sábio e Seus Visitantes

Certo dia, a solidão bateu à porta
de um grande sábio.
Ele convidou-a para entrar.

Pouco depois, ela saiu decepcionada.
Havia descoberto que não podia capturar
aquele ser bondoso, pois ele
nunca estava sozinho:
estava sempre acompanhado pelo
amor de Deus.
De outra feita, a ilusão também bateu
à porta daquele sábio.
Ele, amorosamente, convidou-a a entrar
em sua humilde morada.

Logo depois, ela saiu correndo e gritando
que estava cega.
O coração do sábio era tão luminoso
de amor que havia
ofuscado a própria ilusão.

Em um outro dia, apareceu a tristeza.
Antes mesmo que ela batesse à porta,
o sábio assomou a cabeça pela janela
e dirigiu-lhe um sorriso enternecedor.

A tristeza recuou, disse que era engano e foi
bater em alguma outra porta que
não fosse tão luminosa.

A fama do sábio foi crescendo e a cada dia
novos visitantes chegavam,
objetivando conquistá-lo em nome da tentação.

Em um dia era o desespero,
no outro a impaciência.
Depois vieram a mentira,
o ódio, a culpa e o engano.

Pura perda de tempo:
o sábio convidava todos a entrar
e eles saíam decepcionados com o equilíbrio
daquela alma bondosa.

Porém, um dia a morte bateu à sua porta.
Ele convidou-a a entrar.
Os seus discípulos esperavam que ela saísse
correndo a qualquer momento,
ofuscada pelo amor do mestre.

Entretanto, tal não aconteceu.
O tempo foi passando e nem ela nem
o sábio apareciam.

Os discípulos, cheios de receio,
penetraram a humilde casa e encontraram
o cadáver de seu mestre estirado no chão.
Começaram a chorar ao ver que
o querido mestre havia partido
com a morte.

Na mesma hora,
adentraram na casa a ilusão,
a solidão e todos os outros servos da ignorância
que nunca haviam conseguido permanecer
anteriormente naquele recinto.

A tristeza dos discípulos havia aberto
a porta e os mantinha lá dentro.
Enquanto isso, em outra dimensão,
levado pela morte, o sábio instalava-se
em sua nova residência.

Agora, só batem em sua porta
os espíritos luminosos.
E, amorosamente, ele continua convidando
todos os que batem a entrar.

E ninguém quer sair de lá,
pois agora o grande mestre
"mora no coração de Deus".

(Autor Desconhecido)

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