UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Não iremos embora

Aqui
Sobre vossos peitos
Persistimos
Como uma muralha
Em vossas goelas
Como cacos de vidro
Imperturbáveis
E em vossos olhos
Como uma tempestade de fogo.
Aqui
Sobre vossos peitos
Persistimos
Como uma muralha
Em lavar os pratos em vossas casas
Em encher os copos dos senhores
Em esfregar os ladrilhos das cozinhas pretas.
Para arrancar
A comida dos nossos filhos
De vossas presas azuis.

Aqui sobre vossos peitos persistimos
Como uma muralha
Famintos
Nus
Provocadores
Declamando poemas.
Somos os guardiões da sombra,
das laranjeiras e das oliveiras.
Semeamos as idéias como o fermento da massa.
Nossos nervos são de gelo
mas nossos corações vomitam fogo.

Quando tivermos sede
espremeremos as pedras
e comeremos a terra,
quando estivermos famintos.
Mas não iremos embora
e não seremos avarentos com nosso sangue.

Aqui
Temos um passado
E um presente
Aqui está o nosso futuro.

(Autor: Tawfic Zayyad)

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