UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Ação de Graças do Poeta

Graças a vós, Senhor, pela ventura
De poder isolar-me na poesia,
Ter nela o alívio à provação mais dura,
E no sonho o meu pão de cada dia.

Sentir albor de lua na noite escura,
Achar descanso e paz na nostalgia
E ver, até no pranto da amargura,
Um consolo vizinho da alegria.

Graças a vós por este dom divino
Que me defende do destino adverso
Tornando-me senhor do meu destino.

E se em mim próprio surge o mal perverso,
Puro, alegre, feliz o mal domino
E alo-me ao céu nas asas do meu verso.

(Autor: Bastos Tigre)

Nenhum comentário: