UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Três poemas em síntese - Bárbara de Fátima

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BRITO, João Batista de. Leituras Poéticas. São Paulo: Fundação Memorial da América Latina, 1997. 37p.
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O autor nos apresenta uma abordagem genético-estrutural bastante inteligente cuja criação transcende quase que as suas obras literárias, com exceção de Signo e Imagem em Castro Pinto (1995), uma obra-prima, aqui ele focaliza o visual e o social, que compreende dois processos principais: o primeiro de cunho explicativo porque desvenda o novo, o inédito de cada autor; o segundo apresenta uma análise na estrutura de cada poema, onde observamos o teor especial, comoventes e profundo apresentados pelos autores pesquisados por João Batista.
Os poemas são a uma primeira análise simples, transparentes que João Batista ao aprofundar-se nas descrições observa o transbordamento de emoções transcendentes de um mistério criativo, indomável e irrevelável. Mas, nada disso impediu que o autor penetrasse no mais íntimo de cada autor rompendo os limites da criatividade comum a cada um deles. Privilégio de um Augusto, de um Drummond e de um Bandeira.
Em Augusto dos Anjos é questionada a dualidade do binômio olhos/mãos através de uma análise psicológica na qual ele apresenta “isotópicos nos intertextos da mitologia universal e da tragédia shakespeariana” (p.14). Este poema augustiano demonstra claramente o limite entre a certeza material e a dúvida espiritual.
No poema de Drummond “Cerâmica”, João Batista enfatiza a presença de “isotopias”no humano/não humano, são contradições inerentes ao inanimado e ao ser humano, não julgadas, não desfeitas, apenas estruturadas e analisadas. O que o autor faz questão de demonstrar é a “simbiose” (p.23) que ocorre e que se manifesta de forma metafórica e sublima a realidade humana, despojando-se através da forma radiosa na dimensão com que João Batista a sente. Essa fruição binominal que surge, de imediato, é exatamente a que produz grande impacto no leitor. O fluxo verbal-narrativo apresentado nesta análise pelo autor João Batista, é sem sombra de dúvida repleta de chocantes contrastes e inexplicáveis pontos de ordem humana/sensorial, de mística/transcendental, isto é, de intensa corporificação poética.
No caso da poesia de Bandeira, João Batista ressaltou a presença de uma “ironia metalingüística do termo ‘poema’ e a ambivalência moral, psicológica e sexual de ‘primavera’ e, mais ainda, do adjetivo ‘urgente’” (p.29). O autor cita “o crítico Stefan Bacin” que “considera este Poema da urgente primavera como um ’poema de amor‘” (p.33). Daí poderia chamar também atenção para uma ironia romântica, onde as qualidades subjetivas do autor foram reveladas. Deste modo, o trabalho por mais objetivo que seja contém todo o poder criativo de Bandeira, sua sabedoria, isto é, suas qualidades subjetivas fundamentais. Nesse caso, Bandeira foi um criador e um observador. Ao caricaturizar o conteúdo, a forma é também atingida e o poeta Bandeira usou esta “contraste ‘estilístico’ entre forma e conteúdo” (p.37) para designar a sua conduta de escritor romântico destruindo, assim, a “ilusão da objetividade de seu trabalho por fazer-se presente, de uma maneira liberada. Bandeira ateve-se a valores simbólicos que se apresentam, em contrastes idas e vindas entre o real e o irreal, normal e absurdo, ainda nossas normas de aceitação só são relaxadas quando para aceitar o mundo irreal de idéias de Bandeira.
Nessa trilogia, o professor João Batista faz convergir vários temas que desafiam as análises estruturais dos poemas entre eles: ideológicos, sociais, sexuais, existenciais e metafísicos. Tais análises sintetizam a metáfora da vida contemporânea que o simbolista Augusto dos Anjos ansiou ao retratar a espiritualidade e pela fuga à morte corporal, na geração de um homem novo e real. No caso de Drummond e Bandeira, escritores modernistas, há a presença da magia que descreve o irreal, o amor realista, descentrado, multiforme, características que foram descritas com a revisitação da memória de João Batista a fim de apresentar identidades e afinidades entre os três poemas.
É um livro de forte referência literária cujas Leituras Poéticas só enriquecem a temática desses poetas analisados. Por outro lado, não nos surpreende em nada que o mesmo tenha sido publicado pela Fundação Memorial da América Latina, que somente enaltece ainda mais a seriedade, a objetividade e a criatividade com que João Batista caracteriza toda a sua produção literária, o que muito nos envaidece.

(Resenha Crítica publicada na Revista do Unipê, v.1, n.4, João Pessoa, 19 de Maio de 1998. p.114-115)

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