UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Apresentação do livro O que resta dos mortos - Bárbara de Fátima


O trabalho literário que ora apresentamos, ou seja, O que resta dos mortos, publicado em 1983 de autoria dom poeta paraibano Políbio Alves, um escritor moderno cuja visão é extremamente voltada para o histórico e o social através de fatores psicológicos. Através de suas idéias observamos o uso constante de valores do passado que não se perderam, mas que se apresentam tão atuais, porque com eles o autor, clama, enfatiza e questiona o tempo todo. É isto o que a sociabilidade do autor nos mostra através de seus personagens reais, fictícios e de funções metafóricas. Em contrapartida, temos a sua visão histórica da política, na qual teve participação efetiva e, que se nos retrata com fidelidade na historiografia de O que resta dos mortos (1983), retrato fiel das emoções vividas e sentidas por um idealismo pessoal. Nesse texto, segundo a visão do poeta, transcendeu para ele mesmo os limites os quais foram concebidos para a descrição histórica-sócio-política de um espaço físico, dando condições ao autor de fazer uso do que Orlandi (1984) descreve como polissemia: “É o processo que, na linguagem permite a criatividade. É atestação entre o homem e o mundo”.
Como situações de espaço têm o Mangue, o Rio Sanhauá – na periferia de João Pessoa, de tempos temos a época da repressão política brasileira e também a época de meninice do autor, onde ele narra tudo usando frequentemente o fluxo da consciência. A qualidade principal que se nos apresenta é o surgimento de um novo momento na História, observada nas qualidades físicas do Bairro do Varadouro com a heterogenia de seus habitantes, psíquicas nas reminiscências do autor em relação à sua infância e a social com o comportamento moral e religioso segundo os seus habitantes. Como elemento humano tem: os personagens políticos e opressores de um lado e do outro, os perseguidos (personagens oprimidos). Nos elementos humanos temos: tia Corina, a mãe do narrador, o próprio narrador, as mulheres da zona do mangue, o Mexicano, os homens de plumas brancas, José Paulo (o Paulistinha), Lulu e Dona Mafalda, Zefa Cotó, Zefinha da Jurema, etc.
Quanto aos costumes, os contos retratam a época vivida pelo autor (narrador) sob a ótica de uma criança. O autor descreve as profissões dos seus personagens, onde moravam, suas diversões, o que usavam, de maneira fiel à realidade: a doença do Zezinho, a obrigação de comer quiabo, tortura física e psicológica na ditadura, os meninos do lixo, os pescadores da noite de cerração, as radio vitrolas da Rua Maciel Pinheiro e muitos outros.
Quanto à religião, temos o terreiro de Tia Corina (banho de ervas), a Igreja do Galo (na Ilha do Bispo), Capela de São Miguel das Almas, as cantigas religiosas dos pescadores. Quanto aos lugares temos o Hotel Globo, a Fábrica de Cimento, o Casarão das Almas, o Bar do Totonho, o Varadouro, o Ponto de Cem Réis, os Bares da Estação Rodoviária, o Rio Sanhauá, etc.
Outro ponto da historiografia do autor é exatamente o período de repressão quando, segundo o poeta Irismar Di Lyra no seu texto A Poética e a Temática publicado no Jornal Correio da Paraíba, nos afirma que o autor “foi preso político, na época da ditadura e teve o privilégio de vivenciar o Calabouço, tão decantado por Chico Buarque, em sua canção”.
É o próprio Políbio, em seu livro de contos O que resta dos mortos, que nos revela o cerne daquela situação política vigente: “... nas casas se encostando uma na outra à beira do Sanhauá. Ali na cidade baixa, esse silêncio bordado de sal e cimento, tornou-se abrigo espionado – os besouros. Foi na Ponte do Baralho, durante o Estado Novo que eles se apresentaram. (...) Homens de plumas brancas na cabeça chegam à Capela da cidade”.
Como podemos observar, a manipulação do autor é muito complexa porque sua obra literária está cheia de nuances no tempo e na História. Seu principal objetivo é mostrar ao leitor um tipo de narrativa a qual lhe permite questionar o histórico, o social e o psicológico para entendermos a mágica de sua narrativa e o seu ambiente, tudo descrito em uma linguagem profundamente caracterizada pelas emoções.

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