INTRODUÇÃO
O objetivo principal desse artigo é apresentar uma breve análise sobre a geografia nos romances que compõem o “Ciclo da Cana-de-Açúcar” do escritor paraibano José Lins do Rego (1901-1957). Sendo eles: Menino de Engenho (1932), Doidinho (1933), Bangüê (1934), Moleque Ricardo (1935) e Usina (1936).
Dentro desse tema “A Geografia
Antes de tudo, não podemos descrever a geografia de uma forma geral, ou seja, separando a geografia física da geografia humana, como nos foi apontado pelo escritor Andrade (1982) quando afirmou que:
Nos romances que pertencem ao “Ciclo da Cana-de-Açúcar”, o espaço físico descrito em quase toda a totalidade nesses romances, isso ocorre sempre lado a lado na descrição e no confronto apresentados pelo autor através dos seus personagens. A importância dada ao espaço pelo autor, o define como se ele (espaço) fizesse parte do rol dos personagens, porque José Lins define o meio-ambiente no qual se dá o enredo influenciando o eu-interior de cada personagem, suas angústias, suas necessidades, seus medos e suas limitações.
[...] equilibrando documentário ou impressões de memorialista, digamos sensual, com um de introspecção, conseguiu o Sr. José Lins do Rego construir com o Ciclo da Cana-de-Açúcar uma obra de inconfundível substrato regional.
A GEOGRAFIA
Este romance é o início do que o próprio José Lins chamou de “Ciclo da Cana-de-Açúcar”. A geografia está em todo o lugar daí “descemos uma ladeira para o Paraíba, que corria num pequeno fio d’água pelo areal branco e extenso”.
O autor descreve com riqueza de detalhes a enchente do Paraíba, fato que não ocorria há vários anos. Foi um fato que mudou a vida dos habitantes e ainda da cidade vizinha de Itabaiana: “Na rua da Palha não ficara uma casa
O rio Paraíba aparece até nos contos da velha Totonha porque “os rios e as florestas por onde andavam os seus personagens se pareciam muito com o Paraíba e a mata do Rolo”. Observamos que tudo tem uma forte relação com o rio que segundo Pascal (1972) “rivers are roads that move”.
A localização física do engenho também demonstra a forte ligação do homem com o espaço geográfico:
O Santa Fé ficava encravado no engenho de meu avô. As terras do Santa Rosa andavam léguas e léguas de norte a sul. O velho José Paulino tinha este gosto: o de perder de vista nos seus domínios. Gostava de descansar os olhos em horizontes que fossem seus. Tudo o que tinha era para comprar terras e mais terras. Herdara o Santa Rosa pequeno e fizera dele um reino, rompendo seus limites pela compra de propriedades anexas. Acompanhava o Paraíba com as várzeas extensas e entrava caatinga adentro.
Com
Do Paraíba se conta que, em dia de cólera levou um roldão de um engenho inteiro: com as suas moendas; as suas ferragens; as suas tachas de mel; as suas fornalhas, que apagou; a sua casa de purgar; as suas caixas de açúcar. Tudo desapareceu nos redemoinhos de suas águas endemoniadas. E ninguém teve mais notícia de coisa alguma. Quando o rio reclamava a posse de suas terras que os usurpadores haviam ocupado, os donos de engenho deixavam às pressas as suas casas grandes, para que lê se refestelasse nos seus domínios reconquistados.
É com autenticidade e de forma afirmativa que Coutinho (1982) define essas ocorrências dentro do Menino de Engenho (1932) que,
1- Paisagens – “Pouco mais adiante debaixo de um marizeiro, de capa arrastando no chão, lá está uma destas piscinas que o curso e a correnteza do rio cavavam nas suas margens”. (p. 31)
2- Aromas – “O mestre Cândido com uma cuia de água de cal deitando nas tachas e as tachas fervendo, o cocho com o caldo frio e uma fumaça cheirosa entrando pela boca da gente”. (p. 34)
3- Animais – “Chamavam de arribaçãs as rolas sertanejas que desciam batidas pelas secas, para o litoral. Vinham em bando como uma nuvem, muito no alto, a espreitar um poço de água para a sede de seus dias de travessia. E quando o avistavam, faziam a aterrizagem em magote, escurecendo a areia branca do rio”. (p. 44)
4- Rios/águas – “Daquele banho ainda hoje guardo uma lembrança à flor da pele. De fato que para mim, que me criara nos banhos de chuvisco, aquela piscina cercada de mata verde, sombreada por uma vegetação ramalhuda, só poderia ser uma coisa do outro mundo”. (p. 31-2)
5- Lugares – “Atrás da casa ficava uma meia dúzia de laranjeiras e goiabeiras e um pé enorme de jenipapo. Num jirau, umas janelas velhas com craveiros brotando e bogaris pelas biqueiras florindo. E uns leirões de coentro cercados de faxina, porque as galinhas e os porcos se criavam soltos, entrando por dentro da casa, como gente. Na cozinha, uma tempre de ferro com fogo aceso e um pote com água barrenta do rio, que bebiam”. (p.51).
Como podemos constatar, é o estudo completo de todo o envolvimento da obra de José Lins com a geografia que situa o homem no seu espaço, na sua terra. No mundo social, onde percebemos que a
Conquista das mais importantes é o desabrochar da consciência social. Quando no engenho, participando da vida com trabalhadores e moleques da bagaceira, não atinava para as grandes diferenças de classe; de um lado a pobreza extrema dos homens do eito; do outro, o poder sem limites dos senhores de engenho.
II- Doidinho (1933).
Mesmo no internato, a grande presença é a lembrança do engenho, e nem mesmo o silêncio deixava de ser aconchegante: bons silêncios que não me doíam. E, quando volta ao Santa Rosa, para as férias da Semana Santa, a saudade pôs um colorido mais vivo na descrição desse instante: ‘o caminho do Santa Rosa era o mesmo, coberto de lama, com os mesmos atalhos, com os matos verdes batendo no rosto da gente. O açude verde de baronesas por cima. E verde, muito verde de felicidade, o menino que chegava do seu orfanato. Cantavam os canários pelas cajazeiras cheirando ao ácido dos frutos maduros. Talvez que fossem os mesmos canários que cantavam na minha saída para o colégio. As cabreiras amarelas, e o bom silêncio da estrada, quebrado de quando em vez pela enxada do pobre tinindo em alguma pedra escondida no roçado. Nunca uma meia hora me encheu tanto de vida como naquele dia. Tudo cheirava para mim: até a terra das covas de cana abertas naquele instante, para o plantio de junho. Até a terra cheirava para os meus sentidos de sentenciado em liberdade – o bom cheiro das profundidades, do coito silencioso das sementes derramadas pelas entranhas.
Como podemos observar, o autor José Lins não nos privou de uma geografia perfeitamente detalhada, mesmo de maneira a revelar a seus leitores uma magnífica composição da fantasia que como os seus personagens, nós, seus leitores, nos transportamos para a sua poesia sem entender qual a verdadeira dimensão de suas intenções.
Assim, podemos observar que o autor não apresenta os tipos geográficos em grande escala como é o caso de Menino de Engenho (1932) que é classificado como um romance social, mas nem por isso o autor José Lins, apesar de o Doidinho (1933) ser um romance de cunho psicológico, não se absteve de citações às quais se inserem a geografia, que, ora estudamos em seus romances do “Ciclo da Cana-de-Açúcar”. É o que Ribeiro (1982) nos aponta com brevidade ao afirmar que,
1- Solo – “Saímos para ver o Santa Rosa, naquela tarde de junho cheia de tanajuras. Com os pés na lama, correndo debaixo das goiabeiras da horta, recuperava bem um instante a meninice, que o velho Maciel tapava a boca no colégio. Abandonei o povo de casa pelo reconhecimento do meu reino abandonado. Fomos à beira do rio, com as águas vermelhas da última cheia”. (p. 104)
2- Lugares – “De manhã o tio Juca não me deixou escutar os pássaros do gameleiro. Levou-me com ele para o leito gostoso das cinco horas. O mesmo ramerrão do curral. Mas tudo aquilo me aparecia com ares de ressurreição. O gado urrando como sempre, os moleques metidos na lama, Cristóvão tirando leite que cantava no fundo da vasilha. Todo esse quotidiano que há seis meses não via, deslumbrou-me outra vez”. (p. 107)
3- Pessoas – “Havia um tangerino negro que passava no Santa Rosa tocando uma gaita na frente da boiada. Era um gemido fininho que o negro tirava do seu instrumento saudoso”. (p. 110)
4- Paisagens – “O Santa Rosa lá por fora devia estar nos seus dias maravilhosos, pois levantara um sol para fazer mais verdes os campos e abrir as flores de todo o jardim que era o engenho”. (p. 113)
5- Seca – “Ouvia o meu avô falar da fome de 77. Mas no Santa Rosa a farinha e mel de furo entretinham o povo nas secas prolongadas. Não sabia o que era os retirantes caindo mortos pela estrada. Esta dolorosa realidade para mim era o mesmo que os contos de Sinhá Totonha”. (p. 61).
6- Mecanização – “Ouvira falar das usinas pelos moradores que voltavam da cidade de Goiana. Quando ele dizia que as moendas puxavam a cana numa esteira, eu me espantava. Via no engenho os negros tombando cana, feixe por feixe. Na usina a esteira puxava para a moenda, sem ninguém empurrar. Era só sacudir a cana
7- Rios – “O colega tinha razão. Nunca atravessara o Paraíba. Os moleques do engenho passavam de um lado para o outro com o lombo aparecendo. (...) Olhei para o rio barrento. As águas corriam para o Santa Rosa como um trem; os redemoinhos dançavam, fazendo barulho”. (p. 31)
III- Bangüê (1934).
“Pela manhã, depois do leite, saímos uma vez a passear pela estrada. O caminho feito para um casal de namorados, de tanto cheirar o muçambê e tanto enfeite de trepadeiras pelas estacas do cercado. Gostava de chamar atenção para as coisas bonitas que via. Os paus-d’arcos lá em cima, na mata, mostravam-se nas suas flores arroxeadas. No meio do verde intenso pareciam aparamentados para uma missa pontifical. O sol novo caía sobre o canavial, com ternura. Quem diria que ao meio-dia abrasasse tanto, impiedoso para as caninhas novas”.
Uma verdadeira harmonia entre os homens, os animais, as coisas. A geografia sendo uma personagem forte e audaciosa, extasiava a tudo e a todos com a profundidade de um grande sentimento. Analisando o trecho a seguir observamos o quanto a natureza é mística e sagaz na sua influência junto ao comportamento humano, tem uma dualidade só pertinente a Deus. Demonstra pureza, mas também animalidade, o coração se sobrepõe à racionalidade humana, o mal foge devido à sua impossibilidade de instalação:
Eu não lhe sabia dizer o nome das flores silvestres que encontrávamos no caminho. Nem parecia criado ali. Gabava-me a vida no campo. Não sabia porque existia gente falando mal daquela delícia de um viver tranqüilo, sem ruídos impertinentes, sem agitação e preocupações aborrecidas.
Percebemos através das descrições de José Lins em Bangüê (1934) que o casal Carlos e Alice está sempre em contato com a natureza, com o campo a céu aberto, em lugares onde o enleio e o proibido estão sempre a espreitar para dar lugar ao romance latente entre eles. Tudo era motivo, uma desculpa para estarem juntos sem que a presença das pessoas viesse a perturbar a paz e a necessidade de estarem a sós.
Nesse nosso estudo sobre a geografia, observamos que em Bangüê (1934), o rio apresenta-se como protagonista para descrever toda uma geo-antropologia:
O retrato de Carlos de Melo, o homem fraco, sem vontade de querer, é o teste definitivo do romancista, criador de almas. (...) Mesmo os impulsos sexuais, violentos e dominadores., só servem para ressaltar a pobreza dos gestos ou altos decisivos: falta-lhe até o requisito da animalidade. Sua ausência de vontade é maior do que o sentimento ou o instinto. Revolta-nos sua conduta, sua covardia, sua inexpressividade.
A geografia agrária apresenta-se bem diversificada no tocante ao plantio da cana-de-açúcar e do algodão: “A lã dava por um preço fabuloso. (...) O negócio era abandonar a cana pelo algodão. A cultura era fácil. Gastava-se menos, perdia-se pouco. Não plantaria mais cana no Santa Rosa”.
Um dos exemplos da geografia humana é o tipo apresentado por José Lins na criação do seu personagem Carlos de Melo e a sua conduta em Bangüê (1934). Ao retornar ao engenho Santa Rosa, Carlos de Melo apresentava-se formado em Direito, porém, sem nenhuma expectativa de vida e não pretendendo resolver o problema de sua débil ociosidade. Segundo Gomes (1991),
O plano mais culminante de interesse humano em Bangüê, assenta, com efeito, na diversidade desses caracteres; o avô, um antigo senhor de engenho que, embora trôpego de ancianidade e quase cego, ainda mantém o domínio absoluto do seu feudo, e o neto, em que chegando a vez de o substituir rola, de fracasso em fracasso, com a sua bagagem de conhecimentos frívolos, por lhe minguarem as virtudes essenciais de seus antepassados e, principalmente, aquele instinto tenaz de propriedade em que se estribavam senhores de engenho.
Acima de tanta negatividade no seu caráter, Carlos de Melo retorna à vida e à realidade por causa da energia positiva que o amor lhe envolve. É esse sentimento que lhe dá um inusitado desprendimento que culmina com o êxtase da animalidade e que o faz reagir, pelo menos temporariamente: “A única mulher que lhe restabelece a unidade pertence a outro”.
O personagem-título do romance, o moleque Ricardo representa ao longo da estória a união do trágico na dualidade campo x cidade. Mais uma vez, o tema que estamos abordando, ou seja, a geografia
1- Meio-ambiente – “O barulho que os ventos faziam nas árvores chegava até o quarto de Ricardo. Uns galhos do cajueiro davam para um lado da venda. De noite, ali com Francisco, o moleque bem que se lembrava do Santa Rosa, dos arvoredos de lá. A lua banhava tudo de branco como nas cajazeiras da estrada”. (p. 129-30)
2- Pessoas – “Só as caras é que eram tristes. Ricardo no meio deles lembrou-se dos trabalhadores na volta do eito. Os de lá vinham com mais lama no corpo, com a barriga mais oca”. (p. 80)
3- Lugares – “De um estábulo de perto se ouvia o falatório de gente tirando leite. Tiniam os chocalhos. O moleque se lembrou das manhãs do engenho. Do curral cheio de gado, da lama até as canelas e dos potes de leite, teve até saudades de lá”. (p. 168)
4- Política – “O operariado continuava agitado. O Doutor Pestana se aliava com os políticos contra o Governo Federal. Os jornais guardavam pela autonomia do Estado, contra os interesses do Presidente da República em mandar em Pernambuco, e por isso a cidade andava em pé de guerra. Cangaceiros chegavam do interior. Dizia-se por toda parte que o operariado estava ao lado do Borba. Via-se o chefe Pestana de automóvel como senador”. (p. 145)
5- Sentimentos – “O moleque Ricardo andava amando outra vez. O amor de Guiomar rebentara, agora mais sujo, mais violento. O amor dele era mesmo da terra, de carne, amor melado de luxúria. Engraçara-se de uma mulata mais clara do que ele, a quem entregava pão de manhãzinha”. (p. 163)
Quanto ao estudo da geografia social o autor José Lins, segundo Melo (1991), foi um
[...] romancista, autêntico, sincero, de olhos abertos à realidade, sentiu o drama da miséria dos mocambeiros, a miséria de Florêncio, morrendo no mangue, enquanto o patrão pagava automóvel para a mulata se pavonear no carnaval. Viu o drama humano e retratou-o, como tinha retratado o dos parias do engenho.
José Lins, na sua época, tentou através desse romance Moleque Ricardo (1935), conscientizar toda a sua geração que ativa ou passivamente lutava por melhorar as condições de vida e as retratações desses acontecimentos transpostas para a ficção superaram as expectativas no tocante ao desempenho de seus personagens. De acordo com a opinião de Melo (1991), José Lins “sem saber, estava oferecendo um documento de grande importância para a estruturação do pensamento político das novas gerações nordestinas”.
Ao contrário do romance Menino de Engenho (1932), que deu início ao “Ciclo da Cana-de-Açúcar” de José Lins do Rego, este último Usina (1936) encerra esse momento da literatura nordestina, onde Jurema (1980) enfatiza de maneira simples, porém, com esmero na construção de sua definição de romance,
O romance nos mostra toda a força econômica da cana-de-açúcar. Ela, somente ela, é que faz aquele povo todo viver, pensar, se movimentar, acreditar em Deus, tornar-se fanático, rebelado, heróico, pacífico, humilde, bom, trapaceador, faminto. È o preço do açúcar, dominando tudo. A gente vê que quanto mais se fortifica a economia rural dos canaviais mais o povo se aperta, mais a miséria entra, nas taperas, desalojando a gente da várzea e empurrando-as para as caatingas onde não pode plantar sua roça nem cavar cacimbas para matar a sede.
José Lins dando ênfase à geografia agrária descreve o porque de tanto interesse do tio Juca pelo engenho Santa Rosa:
A usina Bom Jesus nasceu dessa fraqueza, da luta entre a São Félix gananciosa e a família do velho José Paulino, querendo resistir à invasão que vinha de fora. O Dr. Juca sonhava com o poder, com o despotismo que esteira da usina impunha. E o Santa Rosa fora escolhido para sede da fábrica pelas suas condições naturais. Com a compra de mais outras propriedades a usina ficaria em situação privilegiada. Várzeas extensas e água com fartura era tudo para o destino que o Dr. Juca queria dar ao velho domínio do pai. E depois, a situação topográfica do engenho era ótima, sobretudo pela proximidade da estrada de ferroe a vizinhança de outros engenhos. Era bem o Santa Rosa o centro de zona capaz de fornecer cana para a grande fábrica.
Com a chegada do progresso, houve várias mudanças no tocante aos vários tipos de geografia:
1- Humana – “A casa-grande da usina não podia continuar a ser uma casa-grande de engenho. O Dr. Juca cuidara de dar-lhe uma cara mais decente. (...) E rua, a antiga senzala dos negros, não podia ficar bem defronte de uma residência de usineiro. Botaram abaixo. E as negras tiveram que procurar abrigo mais para longe. Avelina, Luíza, Generosas, Joana Gorda que fossem arranjar os seus teréns lá para o alto”. (p. 63)
2- Ambiental – “O Dr. Juca queria o riacho para as suas máquinas. Gastaria uma fortuna com ele para em breve tê-lo na serventia, às suas ordens, como um prisioneiro submisso e útil”. (p. 91).
A usina, no seu crescimento, era um símbolo de poluição e percebemos este desastre industrial nas descrições do autor José Lins:
1- Água – “A usina arrasara o Paraíba com a podridão de suas caldas. O povo cavava cacimba na beira do rio, furava até encontrar água salobra. E era assim que se defendia da sede, nos meses de seca. A água cortava sabão, mas sempre servia para se beber. A Bom Jesus agora despejava as suas imundices pelo leito do rio, sujando tudo, chamando urubu. E quanto mais a usina crescia, quanto mais que crescesse, teria imundice para despejar”. (p. 189)
2- Terra – “Os filhos andavam pelas estradas, como vagabundos. Os bichinhos deixavam a caatinga estorricada e desciam para a beira do rio. O rio era uma podridão e, mesmo assim, nos poços grandes os moleques mergulhavam na água podre”. (p. 241)
3- Ar – “Aquela chaminé arrogante dominava terras que trabalhavam para as entranhas de suas máquinas”. (p. 165)
José Lins situa o homem na terra com todas as propostas de ascensão e, conseqüente decadência do patriarcalismo nordestino, representados pelas moendas do engenho Santa rosa e pelas máquinas industriais da Usina Bom Jesus; onde presenciamos as dádivas da natureza e a revolta da mesma quando poluída e relegada à cobiça do movimento latifundiário em vigência, que separou os vários tipos humanos, neutralizando a partilha e o compartilhamento dos próprios valores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
José Lins apresentou a liberdade necessária de revelar através dos tipos geográficos as verdadeiras emoções e o desempenho de seus personagens. Dois mundos são apresentados. Um que revela a revolução com seu idealismo político e social, e outro o mundo do medo, com sua crueldade moral e injustiça social.
A obra de José Lins do Rego é, sem sombra de dúvida, um estudo documental de abusos sociais, complexidades pessoais e sentimentos contraditórios.
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