UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Trama interrompida - Bárbara de Fátima

Estamos em meados da década de 70. Apesar de jovens tinham tudo para serem muito felizes. A primavera brotava em seus corações, apesar de estarmos em plena estação do verão. Tudo parecia brilhar, a fim de iluminar o palco onde se realizaria mais uma peça de amor. O cenário, uma cidadezinha do interior, com sua praça, sua Igreja, os atores protagonistas e coadjuvantes, tudo preparado com a sabedoria de uma poeta.
Ben era um rapaz tímido, mas inteligente, bem-humorado e solitário. Carol apesar de ser bem mais jovem que ele, era uma menina-moça que chegava para a vida, rômantica e inexperiente. Os seus encontros eram sempre em casa ou em lugares públicos. Quando a paixão aumentou passaram a se encontrar numa pequenina Capela abandonada que ficava a poucos quilometros da aldeia aonde viviam. Eram tardes tão quentes e maravilhosas que o tempo parecia esperar por nós. Ficavam abraçados durante um longo tempo, sem a necessidade de falar ou de fazer qualquer movimento para não quebrar a poesia daqueles instantes.
Meu Deus ela o amava! Ela não saberia explicar o porque das coisas, traduzir os seus sentimentos. Era humanamente impossível. Só sei dizer que eram personagens de uma intensa história de amor. Pelo menos era o previsto por mim e pelos outros personagens.
Nas noites em que se encontravam tudo era paz e até o chão da Capela se tornava macio com a ajuda das folhas secas que caiam. Não havia mais a necessidade de tanta infpormalidade, porque o amor que sentiam queria se tornar real, se completando com a própria revelação. E foi assim que tudo aconteceu, com o furor dos corpos ardentes, a paixão transbordou e se fez presente, livre, porém responsável. E foi Ben quem quebrou o silêncio:
- O que vamos fazer daqui prá diante? Não posso e nem quero viver sem você. Mas, você é ainda muito jovem. Vamos fugir?
Carol nem teve tempo para responder, diante do espetáculo de uma nova vida que havia vislumbrado ante seus olhos. Foi como se a cortina tivesse fechado antes de a cena acabar.
- Sabe, fugir não é bem o certo, deveríamos talvez partir para uma solução mais objetiva do que uma fuga, afirmou Carol.
- O que você me sugere?, perguntou Ben.
- Vamos falar com o Vigário, ele por certo nos dará a solução para esse nosso dilema, respondeu Carol.
Na tarde do dia seguinte foram à paróquia da Igreja Secular, lugar onde foram batizados, receberam a Primeira Eucaristia e foram crismados. Esperaram na Sacristia até que o Padre Bento os chamou para uma conversa em particular. Quando lhe contaram do ocorrido, ele ficou um pouco admirado, mas resolveu os ajudar. Observando a reação do Padre Bento, Carol teve quase a certeza de que ele se sentia um pouco responsável pela atitude precipitada de ambos. Mas, tudo bem, horas depois ele os dispensou e foram direto para a Capela reviverem aquele momentos de ternura, com menos culpa e mais responsabilidade.
A solução que Padre Bento lhes apresentou foi a de os casar, à qual seus pais, à princípio, não concordaram pois os consideraram crianças o bastante para encararem tal responsabilidade. Ficaram noivos. Ele teve que viajar e passaram um ano separados. Na volta dele, o casamento foi marcado para o dia 23 de Maio, dia do aniversário dele.
- Que tal amor, gostou da data que eu escolhi?, perguntou Carol.
- Maravilhosa. Vamos pensar agora é nos preparativos, respondeu Ben.
Durante três meses estiveram ocupados arrumando o cenário no qual pronunciariam o breve 'Sim', com o qual selariam o amor deles. Com toda esta ocupação, não tinham mais tempo de estarem na Capela para os seus encontros, mas não era o caso, teriam toda uma vida pela frente, para se amarem e estarem sozinhos.
O casamento estava previsto para as nove horas da manhã. Às oito horas em ponto Carol já estava pronta, as damas e os pagens, seus pais. Personagens e testemunhas do amor deles. Tudo pronto para estrearem a peça deles.
Quando o carro que conduzia a noiva chegou à Igreja, Ben já estava lá, ladeado pelo seus pais. Entraram. E já no meio da nave principal, Carol percebeu um brilho diferente no olhar de Ben. O que seria? Ela nada perguntou. O Padre Bento fez as suas orações e chegou a hora do 'Sim'. Ben foi o primeiro a ser interrogado:
- Você aceita Carol como sua legítima esposa?
O silêncio foi total. E pior ainda, o suspense por parte dele foi mortal. O Padre Bento ficou esperando por uma resposta afirmativa que não veio. Foi quando ele saiu daquele estado de transe e respondeu que não.
- Como não? O que houve? Carol perguntou.
Ele apenas a olhou nos olhos e saiu da Igreja andando normalmente, como se a peça tivesse que ser terminada ali, sem resposta, sem explicação e os convidados ou figurantes tivessem que abandonar o palco sem uma justa causa.
Se vocês me perguntassem o porque de Ben ter deixado o palco e as cortinas terem-se descido antes do tempo, eu não saberia responder.

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