UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

LIVRO: A Mulher de Pilatos


Category: Books
Genre: Literature & Fiction
Author: Antoinette May

Sinopse: "– Mas você gosta da Marcela – relembrei-lhe, quando finalmente consegui falar. – Sempre correu atrás dela. Achei que ao saber do problema em que estava metida você iria querer ajudá-la.
– Ah, eu gosto dela, sim – respondeu Calígula, fitando-me com ar pensativo.
Meu coração bateu mais forte.
– Então será fácil. Tudo o que você tem a fazer é se casar com ela.
– Casar com ela! – exclamou, dando uma risada sem alegria. – Não me parece apropriado. Ela é uma moça fogosa, sem dúvida, muito fogosa, mas um pouco cheia de si demais para o meu gosto. Nenhum de vocês da linhagem de Próculo, conhece seu lugar. Você, Claudia, é a pior de todos, com seu jeito arrogante. Não sei por que meus pais gostam tanto de você. Quem pensa que é, para entrar aqui e ter a pretensão de me dizer o que fazer?
Baixei os olhos, intuindo que só fizera piorar as coisas. Não havia esperança.
– E, então, onde está a sua famosa vidência agora? – alfinetou Calígula. Com um floreio, afastou as cobertas. – Ela já lhe mostrou alguma coisa assim?
– Oh! – exclamei, sentindo o rosto pegar fogo ao ver seu corpo nu.
Calígula fitou-me com maldosa satisfação, os olhos cintilando de orgulho.
– Ora, vamos, Cláudia, você tem sempre algo a dizer. Não está impressionada?
Uma violenta onda de náusea tomou conta de mim. Rangi os dentes.
– É só isso? – Consegui zombar, de algum modo. – Eu tinha ouvido falar que eles eram maiores."

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A Mulher de Pilatos é uma obra que vale a leitura.

Não porque tenha uma nova teoria, ou apresente documentos históricos contundentes sobre esse ou aquele fato, mas, simplesmente, porque, ao contrário, não pretende possuir respostas, e sim apresentar possibilidades.

A história remonta a Roma antiga, já em decadência, prestes a ser governada pelo Calígula acima, marcada pelo jogo de poder, intrigas e traições. Narra a vida nas áreas conquistadas pelos romanos, o dia-a-dia das pessoas de uma época efervescente, cheia de misticismo, e contrastes, e deixa entrever as mudanças trazidas pela moral cristã.

A autora traz à vida uma mulher, como outra qualquer, que presenciou inúmeras mudanças em seu mundo, teve sua família massacrada, casou com um homem, o amou, odiou, traiu, foi traída, e por fim perdoou! Uma mulher cuja vidência levou a infinitos sofrimentos, pois não conseguia mudar o que o destino traçara, e que, levada por essa vidência, tentou salvar um homem, que iria marcar profundamente a humanidade.

A Cláudia apresentada era uma pessoa de seu tempo. Premida pelas limitações de seu sexo, mesmo sendo da classe dominante, marcada por um forte misticismo, principalmente, o culto à Deusa egípcia Isis, e atormentada por sonhos terríveis, que, infelizmente, sempre se tornavam realidade. Era a filha de um comandante romano, de família próxima a do Imperador, e viveu sua infância na Germânia, visitou Roma, conheceu Tibério, e passou longas temporadas viajando pelo Império Romano.

E, por fim, casada, acompanhou seu marido à longínqua Jerusalém, numa promoção, que mais se assemelhava a uma deportação, participando de um evento que até hoje traz conseqüências para o mundo ocidental, e provoca inúmeras polêmicas, sendo, contudo, o motivo de não terem sido esquecidos nas areias do tempo os nomes de Cláudia Prócula e seu marido, Pôncio Pilatos.

"– Ah, Raquel, você não entende. Não pode entender. Não viu as coisas que vi nem ouviu aquelas palavras terríveis. Executar Jesus seria um contra-senso. Ele é um homem bom que só deseja a paz. Meus sonhos me dizem que sua morte será o começo de guerras e desavenças intermináveis. Uma grande escuridão descerá sobre o mundo. Ninguém se lembrará do que Jesus realmente disse, e o nome de Pôncio Pilatos se eternizará de forma terrível. Tenho que impedir isso."

E Cláudia novamente estava certa!

Eu gostei do texto, talvez por trazer ingredientes históricos, mostrando o cotidiano das pessoas daquela época, com suas tristeza e vitórias. São personagens reais, bons e maus, sem uma mocinha desesperada e um grande herói, mas pessoas, que podem realmente ter vivido daquela forma, ou de maneira muito próxima a apresentada, e a despeito do tema religioso, o livro não traz especificamente um viés para esse assunto, e não pretende ter esse como seu objetivo principal, e sequer como pano de fundo. É história da Cláudia, uma mulher muito interessante, forte, e cujo destino estava traçado, para ter sua vida lembrada no futuro!

Indico a leitura, mas alerto para que o leitor mantenha a mente aberta, sabendo que tudo é possível, e não se deixando levar, é preciso pensar muito sobre o que é apresentado! Divirtam-se!

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