não mexo no que ela escreve.
Esse é o modo de não haver defasagem entre o instante e eu:
ajo no âmago do próprio instante.
Mas de qualquer modo há alguma defasagem.
Começa assim:
como o amor impede a morte,
e não sei o que estou querendo dizer com isto.
Você tornou-se um eu.
Como traduzir o silêncio
do encontro real entre nós dois?
Tais momentos são meu segredo.
Que estou fazendo ao te escrever?
Estou tentando fotografar o perfume.
Para te escrever eu antes me perfumo toda.
Nossa pele tem memória
e o olfato guarda as recordações dos cheiros,
dos odores que marcaram as descobertas de uma vida.
Cheiro de chuva no fim de tarde,
cheiro de bolinho de chuva coberto de açucar e canela,
cheiro de infância.
É possível voltar no tempo
e fazer do tempo um grande ir
e vir de instantes que se foram,
conjugados com aqueles que ainda hão de vir
com os novos sentidos despertos…
E quando o perfume é de mulher?
Cheiro de outro é aquela outra coisa
que se mistura ao nosso
entranhando-se como parte de nós mesmos.
(Autora: Clarice Lispector)
Nenhum comentário:
Postar um comentário