tantas me vejo,
que não entendo quem sou,
no tempo do pensamento.
Vou desprendendo elos que tenho,
alças, enredos...
E é tudo imenso...
Formas, desenho que tive, e esqueço!
Falas, desejo e movimento
- a que tremendo,
vago segredo
ides, sem medo?!
Sombras conheço:
não lhes ordeno.
Como procedo meu sonho inteiro,
e após me perco,
sem mais governo?!
Nem me lamento nem esmoreço:
no meu silêncio há esforço e gênio
e suave exemplo
de mais silêncio.
Não permaneço.
Cada momento é meu e alheio.
Meu sangue deixo,
breve e surpreso,
em cada veio
semeado e isento.
Meu campo, afeito
à mão do vento,
é alto e sereno:
AMOR, DESPREZO.
Assim compreendo
o meu perfeito acabamento.
Múltipla, venço
este tormento
do mundo eterno
que em mim carrego:
e, una, contemplo
o jogo inquieto
em que padeço.
E recupero
o meu alento
e assim vou sendo.
Ah, como dentro
de um prisioneiro
há espaço e jeito
para esse apego
a um deus supremo,
e o acerbo intento
do seu concerto
com a morte, o erro...
(Voltas do tempo - sabido e aceito - do seu desterro...)
(Autora: Cecília Meireles)
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