UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

terça-feira, 29 de maio de 2012

Procura-se um Amigo


Não precisa ser homem: basta ser humano,
 basta ter sentimentos, basta ter coração. 
Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. 
Tem que gostar de poesia, da madrugada, 
 de pássaros, de cães, de sol, da lua, 
do cantar da chuva e das canções da brisa.
Deve ter amor, um grande amor por alguém, 
ou então sentir falta de não ter esse amor. 
Deve amar o próximo e respeitar 
a dor que os passantes levam consigo.
Deve guardar segredo sem se sacrificar. 
Não é preciso que seja de primeira mão,
 nem é imprescindível que seja de segunda.
 Pode ter sido enganado, pois, todos os amigos são enganados.
 Não é preciso que seja puro, 
nem que seja de todo impuro, mas não deve ser vulgar.
 Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, 
no caso de assim não ser, deve sentir
 o grande vácuo que isso deixa. 
Tem que ter ressonâncias humanas, 
seu principal objetivo deve ser o de amigo.
Deve sentir pena das pessoas tristes 
e compreender o imenso vazio dos solitários.
Deve gostar de crianças
 e lastimar as que não puderam nascer.
Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, 
que se comova quando chamado de amigo. 
Que saiba conversar de coisas simples, 
de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações da infância.
Precisa-se de um amigo para não enlouquecer, 
para contar o que se viu de belo e triste durante o dia,
 dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade.
Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver,
 não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo.
Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. 
Para não se viver debruçado no passado 
em busca de memórias perdidas. 
Que bata em nossos ombros, sorrindo ou chorando,
 mas que nos chame de amigo, 
para ter-se a consciência de que ainda se vive.

(Autor: Vinícius de Moraes - Psicografado por Francisco Cândido Xavier)

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