UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

domingo, 27 de maio de 2012

Martírio


Beijar-te a fronte linda
Beijar-te o aspecto altivo
Beijar-te a tez morena
Beijar-te o rir lascivo
 
Beijar o ar que aspiras
Beijar o pó que pisas
Beijar a voz que soltas
Beijar a luz que visas
 
Sentir teus modos frios,
Sentir tua apatia,
Sentir até répúdio,
Sentir essa ironia,
 
Sentir que me resguardas,
Sentir que me arreceias,
Sentir que me repugnas,
Sentir que até me odeias,
 
Eis a descrença e a crença,
Eis o absinto e a flor,
Eis o amor e o ódio,
Eis o prazer e a dor!
 
Eis o estertor de morte,
Eis o martírio eterno,
Eis o ranger dos dentes,
Eis o penar do inferno!

(Autor: Junqueira Freire)

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