UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

domingo, 20 de maio de 2012

Pus o meu sonho num navio

Pus o meu sonho num navio
 e o navio em cima do mar;
 depois abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.

 Minhas mãos ainda estão molhadas
 do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre dos meus dedos
colore as areias desertas

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
 meu sonho dentro de um navio... 

Chorarei quanto for preciso,
 para fazer com que o mar cresça,
 e o meu navio chegue ao fundo 
e o meu sonho desapareça. 

 Depois, tudo estará perfeito:
 praia lisa, águas ordenadas, 
meus olhos secos como pedras 
e as minhas duas mãos quebradas.
(Autora: Cecília Meireles)

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