UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Centenário


Abro a minha boca e o mar se regozija
E leva as minhas palavras a suas escuras grutas
E às suas focas pequenas as murmura
Nas noites em que choram os tormentos do homem.

Abro as minhas veias e enrubram-se os meus sonhos
Transformam-se em arcos para os bairros dos meninos
E em lençóis para as raparigas que velam
Para ouvir às ocultas os prodígios do amor.

Aturde-me a madressilva e desço ao meu jardim
E enterro os cadáveres dos meus mortos secretos
E às estrelas traídas que eram suas
Corto o cordão dourado pra caírem no abismo

O ferro enferruja e eu castigo o seu século
Eu que já experimentei a dor de mil pontas
Com violetas e narcisos a nova
Faca vou preparar que convém aos Heróis.

Desnudo o meu peito e os ventos se desatam
E vão varrer as ruínas e as almas destruídas
Das espessas nuvens limpam a terra
Pra que surjam à luz os Prados encantados.

(Autor: Odysséas Elytis - Tradução de Manuel Resende)

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