UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Ponteio


Os olhos tocam primeiro,
mas as palavras por fim.

Mas as palavras repousam,
e os olhos devem seguir.

Os olhos sabem primeiro,
mas as palavras recolhem.

Mas as palavras não colhem
do campo o que os olhos colhem.

Os olhos querem o tempo,
mas as palavras já têm.

Mas nas palavras não cabe
dos olhos esse não caber.

Os olhos olham as palavras,
mas as palavras entoam.

Mas as palavras retornam,
e os olhos nascem além.

Entre olhos e palavras
não fique ânsia ou vagar:

distâncias mudas e cegas
tocam-se, para ver cantar.

(Autor: Alcides Villaça)

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