UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Instancia


Quem volta ao lugar perdido
quer ver o tempo.
Não vê a casa, o muro, o degrau mais fino:
quer no bater do coração o antigo.

Espanta a resistência daquela árvore,
a mesma e outra nesta floração.
Espanta a cor fiel dos azulejos,
a penumbra e o tom daquele quarto
desenhados na pauta de outros olhos.

Quem retorna não mora no outro tempo,
embora imite o rosto o ancestral.
Quem retorna medita.
Não cruza o corredor
como planava a mosca distraída.

Pode-se sentar na escada, prover os olhos
com a massa do cenário inocente.
Livre-se o coração para a verdade
desta árvore em gala de outro amor.

(Autor: Alcides Villaça)

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