UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Canção da Lua que Lava


Lua, que lavas teus linhos,
sempre a lavar
numa lixívia de nuvens,
branca, branquinha de espuma,
e escorres tudo lá no alto
para secar;

lua que lavas teus linhos
pelos valados maninhos,
na serra onde vai nevar;

oh lua alagando o mundo
nesta espuma de cegar!

lua que lavas teus linhos
e que os enxáguas
e os pões em qualquer lugar —
nos terraços lageados,
nos velhos muros caiados,
nos laranjais do pomar
ou nos campos orvalhados
onde estão a gotejar —

lua que lavas teus linhos
até nas praias do mar —

vem, lua, e lava minha alma!

Oh lava minha alma em lágrimas,
para que Deus, sol das almas,
venha a enxugar.

(Autor: Murilo Araújo)

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