UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

domingo, 23 de setembro de 2012

Tear


Num reino de bruma, entre os ramos
de árvores quase secas e breves trilhos,
o ar libertava uma vaga espuma,
e a luz soltava líquidos brilhos.

Numa clareira, sombras de saudade
caíam sobre arbustos rasos, e um canto
de campo enchia de sede os vasos
que o tempo partiu num dobrar da idade.

Colhi antigas papoilas, e colei-as
no álbum do horizonte, com o cuspo
do poente, enquanto uma voz distante
rezava o fim de uma oração doente.

E na água parada da lagoa, com os
braços soltos como remos sem uso,
uma parca branca vogava, à toa,
tecendo o destino na linha do seu fuso.

(Autor: Nuno Júdice)

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