UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Ignotus



Eu não sei quem Tu és. Mas sei que Tu existes,
e sei que és Tu que acendes as estrelas lá no Alto,
e o lume, às vezes, da alegria na pobreza 
dos meus olhos tristes.

Eu não Te vejo, eu não Te falo, 
senão no silêncio secular
das noites insones e profundas, 
em que meu corpo se apaga,
e minha alma é uma chama inquieta a crepitar...

Eu Te quero e Te temo, pávido, 
esquivo e ansioso... E pela vida inteira,
se Te fujo - olhos sem luz para não ver-Te, 
ouvidos surdos para não Te ouvir sinto o
Teu esplendor doer na minha tórpida cegueira,

e ouço o rumor augural dos remos 
do Teu barco, lento e lento
a ferir, com seu ritmo de Absoluto,
a água noturna do meu pensamento...

(Autor: Abgar Renault)

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