UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Abrir de Olhos


Pensamento dando para pensamento
Faz de alguém um olho.
Um é a mente cega-de-si,
O outro é pensamento ido
Para ser visto de longe e não sabido.
Assim se faz um universo brevemente.

A suposição imensa nada em círculos,
E cabeças ficam mais sábias
Enquanto notam a grandeza,
E a dimensão imbecil
Espaça a Natureza,

E ouvidos reportam primeiro os ecos,
Depois os sons, distinguem palavras
Cujos sentidos chegam por último ─
Vocabulários jorram das bocas
Como por encanto.
E assim falsos horizontes se ufanam em ser
Distância na cabeça
Que a cabeça concebe lá fora.

O maravilhar-se, que escapa dos olhos,
Regressa a cada lição.
O tudo, antes segredo,
Agora é o conhecível,
A vista da carne, a grandeza da mente.

Mas e quanto ao sigilo,
Pensamento individido, pensando
Um todo simples de ver?
Essa mente morre sempre instantaneamente
Ao prever em si, de repente demais,
A visão evidente demais,
Enquanto lábios sem boca se abrem
Mundamente atônitos para ensaiar
O verso simples e impronunciável.

(Autora: Laura Riding - Tradução de Rodrigo Garcia Lopes)

Nenhum comentário: