UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

A Indiferença


Ficar a tudo indiferente,
Pensar que, nunca inteligíveis,
Incertas são, e discutíveis,
Todas as coisas, igualmente;

A ser nenhum sentir apego;
Nada ter, nada esperar,
Sem que este humor, este sossego,
Sucesso algum possa alterar;

Nem na razão, nem nos sentidos
Ter fé jamais, mas por estudo
Em duvidar, sempre, de tudo:
- Falas, sorrisos ou gemidos;

Não ter o mínimo conceito
Seja do bem, seja do mal;
Fazer, com ânimo perfeito,
Renúncia eterna e universal;

Nem ver no túmulo um asilo,
Mas bem iguais Morte e Existência
Considerar - sem preferência,
Pouco importando, isto ou aquilo

- Eis como expõe o seu programa
Um grande espírito... Mas quem,
Representando o humano drama,
Conseguirá tanto desdém?

Indiferença, o nosso nível
Teu reino olímpico ultrapassa,
Divino dom, suprema graça,
Chamo-te, em vão... És impossível!

Esse que sabe com tal plano
Levar na terra os dias seus,
Melhor que o déspota romano,
Deve sentir tornar-se Deus.

(Autor: Afonso Celso)

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