UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Vê, vê Corina, e foges se puderes



Vendo o soberbo Amor, que eu resistia
Ao seu poder com ânimo arrogante,
Mostrou-me um doce, angélico semblante
Que a própria Vênus invejar devia.

Minha néscia altivez, minha ousadia
Em submissão troquei no mesmo instante;
E o deus tirano, achando-me triunfante,
Com voz insultadora me dizia:

“Tu, que escapar às minhas setas queres,
Vil mortal, satisfaze o teu desejo,
Vê, vê Corina, e foge, se puderes”.

“Amor (lhe respondi) rendido a vejo;
Adoro os olhos seus, com que me feres,
Venero as tuas leis, teus ferros beijo”.

(Autor: Manuel Maria de Barbosa l'Hedois du Bocage)

Nenhum comentário: