UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

A Cidade



Dizes: “Eu vou para outras terras,
eu vou para outro mar.
Hão de existir outras cidades
melhores do que esta.
De todo o esforço feito – estava escrito
– nada resta e sepultado qual um morto
eu tenho o coração.
Até quando vai minha alma
ficar nesta inação?
Onde quer que eu olhe, para onde
quer que eu volte a vista,
a negra ruína de minha vida
é o que se avista,
eu que anos a fio cuidei
de a estragar e dissipar.”

Não acharás novas terras,
tampouco novo mar.
A cidade há de seguir-te.
As ruas por onde andares
serão as mesmas.
Os mesmos os bairros,
os andares das casas onde irão
encanecer os teus cabelos.
A esta cidade sempre chegarás.
Os teus anelos são vãos,
de para outra encontrar
um barco ou um caminho.
A vida, pois, que dissipaste aqui,
neste cantinho do mundo,
no mundo inteiro é que a foste dissipar.”

(Autor: Konstantinos Kaváfis - Tradução de José Paulo Paes)

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