UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

sábado, 17 de outubro de 2009

Viver não dói


Nossa dor não advém das coisas vividas,
mas das coisas que foram sonhadas
e não se cumpriram...

Por que sofremos tanto por amor?
O certo seria a gente não sofrer,
apenas agradecer por termos conhecido
uma pessoa tão bacana que gerou em nós
um sentimento intenso
e que nos fez companhia
por um tempo razoável, um tempo feliz.

Sofremos por quê?
Porque automaticamente esquecemos
o que foi desfrutado e passamos
a sofrer pelas nossas projeções irrealizadas,
por todas as cidades que gostaríamos
de ter conhecido ao lado do nosso amor
e não conhecemos;
por todos os filhos que gostaríamos
de ter tido juntos e não tivemos;
por todos os shows e livros e silêncios
que gostaríamos de ter
compartilhado e não compartilhamos.

Por todos os beijos cancelados;
pela eternidade interrompida.
Sofremos não porque nosso trabalho
é desgastante e paga pouco,
mas por todas as horas livres
que deixamos de ter para ir ao cinema,
para conversar com um amigo,
para nadar, para namorar...

Sofremos não porque nossa mãe
é impaciente conosco,
mas por todos os momentos em
que poderíamos estar confidenciando
a ela nossas mais profundas angústias
se ela estivesse interessada
em nos compreender.

Sofremos não porque nosso time perdeu,
mas pela euforia sufocada.
Sofremos não porque envelhecemos,
mas porque o futuro está sendo
confiscado de nós, impedindo assim
que mil aventuras nos aconteçam,
todas aquelas com as quais sonhamos
e nunca chegamos a experimentar.

Como aliviar a dor do que não foi vivido?
A resposta é simples como um verso:
Se iludindo menos e vivendo mais!!!
A cada dia que vivo, mais me convenço
de que o desperdício da vida
está no amor que não damos,
nas forças que não usamos,
na prudência egoísta que nada arrisca,
e que, esquivando-se do sofrimento,
perdemos também a felicidade.
A dor é inevitável.
O sofrimento é opcional.

(Autor: Carlos Drumond de Andrade)

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