UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Memória de Pele

Agora vou escrever ao correr da mão:
não mexo no que ela escreve.
Esse é o modo de não haver defasagem entre o instante e eu:
ajo no âmago do próprio instante.
Mas de qualquer modo há alguma defasagem.
Começa assim: como o amor impede a morte,
e não sei o que estou querendo dizer com isto (…)
Você tornou-se um eu (…)
Como traduzir o silêncio do encontro real entre nós dois?
(…) Tais momentos são meu segredo.
Que estou fazendo ao te escrever?
Estou tentando fotografar o perfume (…)
Para te escrever eu antes me perfumo toda (…).

(Autora: Clarice Lispector)

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