UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Sobre o Trabalho


Disseram-vos que a vida é escuridão; e no vosso cansaço,
repetis o que os cansados vos disseram.
E eu vos digo que a vida é realmente escuridão,
exceto quando há um impulso.
E todo impulso é cego, exceto quando há saber.
E todo saber é vão, exceto quando há trabalho.
E todo trabalho é vazio, exceto quando há amor.
E quando trabalhais com amor, vós vos unis
a vós próprios e uns aos outros, e a Deus.
E que é trabalhar com amor?
É tecer o tecido com fios desfiados de vosso
próprio coração, como se vosso bem-amado
fosse usar esse tecido.
É construir uma casa com afeição,
como se vosso bem-amado fosse habitar essa casa.
É semear as sementes com ternura e recolher
a colheita com alegria, como se vosso bem-amado
fosse comer-lhe os frutos.
É pôr em todas as coisas que fazeis um sopro de vossa alma.
O trabalho é o amor feito visível.
E se não podeis trabalhar com amor,
mas somente com desgosto, melhor seria que abandonásseis
o vosso trabalho e vos sentásseis à porta do templo
a solicitar esmolas daqueles que trabalham com alegria.
Pois se cozerdes o pão com indiferença,
cozereis um pão amargo, que satisfaz
somente a metade da fome do homem.
E se espremerdes a uva de má vontade,
vossa má vontade destilará no vinho o seu veneno.
E ainda que canteis como os anjos,
se não tiverdes amor ao canto, tapais os ouvidos do homem
às vozes do dia e às vozes da noite.

(Autor: Gibran Khalil Gibran)

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