UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

domingo, 22 de agosto de 2010

Júlio César

Concidadãos, romanos, bons amigos, concedei-me atenção.
Vim para o enterro fazer de César, não para elogiá-lo.
Aos homens sobrevive o mal que fazem, mas o bem quase sempre com seus ossos fica enterrado.
Seja assim com César.
O nobre Bruto vos contou que César era ambicioso.
Se ele o foi, realmente, grave falta era a sua, tendo-a César gravemente expiado.
Aqui me encontro por permissão de Bruto e dos restantes — Bruto é homem honrado, como os outros; todos, homens honrados — aqui me acho para falar nos funerais de César.
César foi meu amigo, fiel e justo;
mas Bruto disse que ele era ambicioso,
e Bruto é muito honrado.
César trouxe numerosos cativos para Roma,
cujos resgates o tesouro encheram.
Nisso se mostrou César ambicioso?
Para os gritos dos pobres tinha lágrimas.
A ambição deve ser de algo mais duro.
Mas Bruto disse que ele era ambicioso, e Bruto é muito honrado.
Vós o vistes nas Lupercais: três vezes recusou-se a aceitar a coroa que eu lhe dava. Ambição será isso?
No entretanto, Bruto disse que ele era ambicioso, sendo certo que Bruto é muito honrado.
Contestar não pretendo o nobre Bruto;
só vim dizer-vos o que sei, realmente.
Todos antes o amáveis, não sem causa.
Que é então que vos impede de chorá-lo?
O julgamento!
Foste para o meio dos brutos animais,
tendo os humanos o uso perdido da razão.
Perdoai-me; mas tenho o coração, neste momento, no ataúde de César;
é preciso calar até que ao peito ele me volte.

(Autor: William Shakespeare)

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