UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

domingo, 22 de agosto de 2010

Elevação

Acima dos valões, acima dos quintais,
Das montanhas, dos bosques, das nuvens, dos mares,
Muito depois do sol, dos campos estelares,
Muito além dos confins das esferas astrais,

Espírito meu, voas com agilidade;
Como o bom nadador que na onda se excita,
Mergulhas com prazer na amplidão infinita,
Na indizível volúpia da virilidade.

Decola para longe deste chão doente,
Vai te purificar no ar superior
E sorver o límpido, divino licor
Da clara luz que inunda o espaço transparente.

Em meio a infortúnio, mágoa e veneno,
Que tornam mais pesada esta vida brumosa,
Feliz de quem puder com asa vigorosa
Alçar vôo no céu luminoso e sereno;

Quem tiver pensamentos como a passarada
Que no ar da manhã revoa em liberdade
Quem planar sobre a vida, entender a verdade,
Na linguagem da flor e das coisas caladas!


(Autor: Charles Baudelaire - Tradução de Jorge Pontual)

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