UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Parábola dos Degraus


Ao galgar uma escada, movimenta-se um pé
enquanto o outro se solta do degrau já pisado.
Não se consegue ascender, sem liberar-se os pés

Impossível chegar ao topo, sem ofegar,
sem transpirar e às vezes até chorar,
sem desgrudar o outro pé de degrau mais embaixo,
eis que escadas são desafios a enfrentar,
metálicas, de pedra ou madeira,
feito vias de crescimento,
a nos servir pela vida inteira.
de sítio já palmilhado.

Às vezes seguras, outras nem tanto,
eis que também podem ser rústicas,
mal ajambradas, tortuosas, envelhecidas,
em caracol, ou quebradas, escorregadias,
esburacadas, abandonadas, frias, restauradas,
altas, baixas, espaçosas, estreitas, estiradas,
ou sem qualquer proteção, sem sequer um apoio,
que se possa agarrar com a mão.

Se deixadas ao léu, sem qualquer compaixão,
ao sabor do tempo cruel, acabam sozinhas,
num canto, embora ao alcance da mão.

Quando em jardins repousadas,
ao lado de trepadeiras, se fazem vestir de flores,
do primeiro ao degrau derradeiro,
a provar que de dores e amores,
se fazem o bem ou o mal,
eis que são entremeios de alcance,
do que de mais alto nos faz inteiro.

Ascenção - desafio difícil, pede esforço e progressão,
abandono de etapas idas, deixadas em degraus
 percorridos mais perto do rés-do-chão.

Seguras só mesmo as rolantes,
eis que de calmas subidas,
de pés colados ao chão,
sem riscos de enganos de lidas,
sem esforços, sem luta, nem emoção.

Vida é escada comum, trilha escarpada a se escalar,
reclamando esforçada subida,
para que em seu patamar
se deixem cair respingos de dor e fadiga,
preparando futuro caminhar.

Benditos pés,  libertos de degraus já pisados,
sem frustrações nas chegadas,
em retas finais de caminhos
ainda não palmilhados.

Ao final da escalada, aportarão a um templo,
um pódio, um monumento,
um recanto de luz e calmaria,
não a um sótão, cheio de empoeirados rejeitos,
que é troféu reservado
a quem não levou sua cruz com jeito,
nas lutas de cada dia,
em dores e amores desfeitos.

Em gradações se constrói o saber,
em escalas, melodias,
em ascenção se enriquecem jornadas,
em evolução se erigem vidas,
e em degraus se fazem subidas.

(Autor: Ariovaldo Cavarzan)

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