UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Angelus

Ao crepúsculo, à hora da tristeza,
Quando passam noivando as andorinhas,
Na sugestiva paz da natureza
Pobre de mim! Sinto saudades minhas.

Um desalento d’alma que entorpece,
Um misto de saudade e apatia.
Banhado em sangue o sol desaparece
E lá se vai com o sol a minha alegria.

Um barulho festivo de asa com asa
Anda pelo alto e em mim – tédio e preguiça.
Da gameleira junto á minha casa
Cai uma folha anêmica e outoniça.

Cantam de longe. É a voz de alguma escrava.
Parece assim plangente e merencória,
A cantiga infantil que me ninava
E que eu guardo no fundo da memória.

A paisagem, num roxo doloroso,
Se desdobra num pálio de ametista.
Como dói o cortejo silencioso
Do pôr do sol num coração de artista!

As águas bolem... Passa de momento
Uma abelha, as antenas de ouro e pólen.
Bolem as folhas no hálito do vento,
Bole minh’alma como as folhas bolem.

Desaparece o sol... De estrada em fora
Há lamúrias e prantos de infortúnio.
Atreva chega... A noite desce... Agora
Brilha, em forma de alfanje, o novilúnio.

(Autor: Olegário Mariano)

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