UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

sábado, 14 de janeiro de 2012

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Trago os olhos naufragados
em poentes cor de sangue...

Trago os braços embrulhados
numa palma bela e dura
e nos lábios a secura
dos anseios retalhados...

Enrolada nos quadris
cobras mansas que não mordem
tecem serenos abraços...
E nas mãos, presas com fitas
azagaias de brinquedo
vão-se fazendo em pedaços...

Só nos olhos naufragados
estes poentes de sangue...

Só na carne rija e quente,
este desejo de vida!...

Donde venho, ninguém sabe
e nem eu sei...

Para onde vou
diz a lei
tatuada no meu corpo...

E quando os pés abram sendas
e os braços se risquem cruzes,
quando nos olhos parados
que trazem naufragados
se entornarem novas luzes...

Ah! Quem souber,
há-de ver
que eu trago a lei
no meu corpo...

(Autora: Alda Lara)

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