UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

sábado, 14 de janeiro de 2012

A Educação pelo Pó



Os fatos e coisas do cotidiano,
Parecem-nos doces e sadios.
Encarnam a doçura daquilo que não se esvai,
Como se o tempo e a felicidade se estendessem ao infinito.
Entretanto, doces enganos são
Estes pensamentos seguros a respeito do mundo.
Tolos somos todos, nós que acreditamos 
naquilo que nos cerca,
E nos deixamos seduzir pelo canto das sereias.
Nada mais fugaz do que o tempo,
Nem mais frágil do que a felicidade.
Tudo é inseguro, tudo é fugaz,
E de certeza só a morte fatal.
Que as rochas durem quase uma eternidade, aceitemos!
Que a água se renova num ciclo indestrutível 
aos nossos olhos, tudo bem!
Mas isto não garante a eternidade das coisas.
Do concreto ao pó, basta um átimo de segundo.
Basta um piscar de olhos e a fortuna ataca,
E nós, desprotegidos, nos afogamos nas 
águas turvas do mecanismo insano do universo.
Apegamo-nos demais às coisas e à nossa felicidade.
Como se fossem a representação do absoluto.
E então, no instante inesperado, 
desfaz-se o nosso mundo bem construído.
Deveríamos apreender a dura lição do pó.
A lei universal à qual todos estamos submetidos.
O pó: eis o grande destino de tudo.
A que pedagogia impressionante ele nos submete.
Mas sempre esquecemos a lição,
Como péssimos alunos que insistem 
em acreditar nos contos de fada.
O tempo: grande deus que a tudo consome,
Nos ilude com a promessa da eternidade.
Nos imaginamos eternos e não compreendemos 
o significado mágico do instante.
Desconsideramos o instante em nome do eterno,
Confiamos demais na permanência das coisas,
E desaprendemos a trágica lição de Heráclito.
Devemos permanecer sempre atentos,
A fera na selva nos espreita,
E no seu bote fulminante,
Com suas garras nos transformará, 
juntamente com nossas coisas e crenças,
Num pequeno montículo de pó,
O que em verdade, sempre fomos.

(Autor: Clóvis Brondani)

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