UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

terça-feira, 31 de julho de 2012

Mar vagabundo



Há um mar em mim.
Um mar de águas revoltas.
Nuvens pesadas circulam passageiras
Areias, em fileiras, atiram-me ao fundo
quase sempre certeiras.

Há um mar em mim
E eu tantas vezes nada entendi:
da cor que me veste olhos d'água
e do vento que me sopra à maré baixa.

Pois há um mar em mim
E eu não tive sequer escolhas
Não pude dizer (ao mar)
que parasse com esses cantos sombrios
Nem que me deixasse à não-mercê de tais desafios.

Por que esse mar é fora da lei
Não sabe o que é sorte, nem teme solidez
Tudo sente, nada sofre e me move à embriaguês.

Por que esse mar é poço sem fundo
Quanto mais arrasta, mais revira tão doce mundo
Secando-me as águas claras em tons cinza profundos.
Isso tudo porque esse mar é vagabundo...

(Autora: Hercília Fernandes)

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