UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

terça-feira, 17 de julho de 2012

Santa Amnésia



Não é que seja exatamente corajoso,
meu coração tem é isso de bom:
não ocupa espaço com mágoas e, com o tempo,
ele se tornou desmemoriado
pra assuntos de frustração.
Quando me dou conta,
lá está ele amando de novo,
sorriso de orelha a orelha, com tal frescor
 que parece que nunca foi ferido.
Dá, sim, pra ver uma cicatriz aqui e ali,
outras mais adiante, que cicatriz
não morre, mas ele não liga. Nem eu.
Não é que seja exatamente teimoso,
meu coração tem é isso de bom:
gosta de amar.
Eu também.

(Autora: Ana Jácomo)

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