UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

domingo, 22 de julho de 2012

Desbordamento


Por tanta vida que transporto
no meu sangue vacilo
no vasto Inverno.

E de repente,
como por uma fonte que se solta
na estepe,
uma ferida que no sonho
se reabre,

nascem pensamentos
no desértico castelo da noite.

Criatura de fábulas, pelas mudas
habitações onde se
consomem as lâmpadas esquecidas,
transcorre leve uma palavra branca:
voam pombas desde a açoteia
como numa paisagem marítima.

Bondade, regressas a mim:

desfaz-se o Inverno no desbordamento
do meu sangue mais puro,
o pranto ainda pode ser
docemente nomeado perdão.

(Autora: Antonia Pozzi)

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