UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Das Coisas


A bengala, as moedas, o chaveiro,
a dócil fechadura,
essas tardias notas
que não lerão meus poucos dias
que restam,
o baralho e o tabuleiro,
um livro e dentro dele
a esmagada violeta,
monumento de uma tarde
por certo inolvidável e olvidada,
o rubro espelho ocidental em que arde
uma ilusória aurora.
Quantas coisas,
limas, umbrais, atlas, copos, cravos,
nos servem como tácitos escravos,
cegas e estranhamente sigilosas!
Durarão para além do nosso olvido
e nunca saberão que já nos fomos.

(Autor: Jorge Luís Borges)

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