UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Poema Obsceno



Façam a festa
cantem e dancem que eu faço o poema duro
                  o poema-murro
                  sujo
                  como a miséria brasileira
Não se detenham:
façam a festa
                 Bethânia Martinho
                 Clementina
Estação Primeira de Mangueira Salgueiro
gente de Vila Isabel e Madureira
                 todos
                 façam
a nossa festa
enquanto eu soco este pilão
                          este surdo
                           poema
que não toca no rádio
que o povo não cantará
(mas que nasce dele)
Não se prestará a análises estruturalistas
Não entrará nas antologias oficiais
                    Obsceno
como o salário de um trabalhador aposentado
                    o poema
terá o destino dos que habitam o lado escuro do país
                  - e espreitam.
(Autor: Ferreira Gullar)

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