UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

segunda-feira, 12 de abril de 2010

A Rosa

A vista incerta,
Os ombros langues,
Pierrot aperta
As mãos exagues
De encontro ao peito.

Alguma cousa
O punge ali
Que ele não ousa
Lançar de si,
O pobre doido!

Uma sombria
Rosa escarlata
Em agonia
Faz que lhe bata
O coração...

Sangrenta rosa
Que evoca a louca,
A voluptosa
Volúvel boca
De sua amada...

Ah, com que mágoa,
Com que desgosto
Dois fios de água
Lavam-lhe o rosto
De faces lí­vidas!

Da veste branca
A larga túnica
Por fim arranca
A rosa púnica
Em um soluço.

E parecia,
Jogando ao chão
A flor sombria,
Que o coração
Ele arrancara!...

(Autor: Manuel Bandeira)

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