UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

domingo, 18 de abril de 2010

Mulher no Espelho

Hoje, que seja esta ou aquela,
pouco me importa.
Quero apenas parecer bela,
Pois, seja qual for,estou morta.

Já fui loura, já fui morena,
Já fui Margarida e Beatriz.
Já fui Maria e Madalena.
Só não pude ser como quis.

Que mal fez essa cor fingida
do meu cabelo e do meu rosto.
Se é tudo tinta: O mundo, a vida.
O contentamento, o desgosto?

Por fora serei como queira,
a moda que vai me matando.
Que me levem pele e caveira
ao nada, não me importa quando.

Mas quem viu tão dilacreados,
olhos, braços e sonhos seus
e morreu pelos seus pecados,
falará com Deus.

Falará, coberta de luzes,
do alto penteado ao rubro artelho
Porque uns expiram sobre cruzes
outros, buscando-se no espelho.

(Autora: Cecília Meireles)

Nenhum comentário: