UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

terça-feira, 20 de abril de 2010

Alforriem a Palavra

Um verso, um passo de dança
Um pingo de água filtrada
Brisa na ponta de lança
Sem prazo presa enjeitada.
Estrofe valsa arremetida
Da palavra em mente ousada
Impulso, força incontida
Lavra em pedras da calçada.
Pela estrada percorrida
Em canto de vergastada
Vem uma ideia parida
Pelas esquinas do nada.
Poema é da madrugada
Estreitando versos a fio
Na noite é ponta de espada
No amanhecer um rio.
Poesia? Alforria, dor e riso.
Às vezes verbo incapaz
Outras vezes chão que piso
No que de mim se desfaz.

Poesia? Raiva e grito
Adubo em causas semente.
Força de vida e castigo
Tão certeira e certamente.

(Autor: Roque Silveira)

Nenhum comentário: