UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

terça-feira, 30 de março de 2010

A lição da caveira

Um príncipe, orgulhoso de sua realeza, foi certo dia caçar em lugar montanhoso e afastado. A certa altura de seu caminho, viu um velho eremita, sentado diante de sua gruta, e muito atento a considerar uma caveira que tinha nas mãos. Indignado por não lhe ter o velho dado a menor atenção, nem sequer levantado os olhos para a luzida companhia de caçadores, o príncipe aproximou-se dele e disse-lhe, entre rude e zombeteiro:
- Levanta-te quando por ti passar o teu senhor! Que podes ver de tão interessante nessa pobre caveira, que chegas a te abstrair da passagem de um príncipe de tantos poderosos fidalgos?
O eremita, erguendo para ele os olhos mansos, respondeu, em voz singularmente clara e sonora:
- Perdoa senhor. Eu estava procurando descobrir se esta caveira tinha pertencido a um mendigo ou a um príncipe, mas não consigo distinguir de quem seja. Nestes ossos nada há que me diga se a carne que os revestiu repousou em travesseiros de plumas ou nas pedras das estradas. Eu não saberia dizer se devia levantar-me ou conservar-me sentado diante daquele que em vida foi o dono deste crânio anônimo.
O príncipe, cabeça baixa, prosseguiu o seu caminho, mas a caçada não teve, naquele dia, qualquer encanto para ele.

A lição da caveira abatera-lhe o orgulho.

(Autor Desconhecido)

Nenhum comentário: