UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Nel mezzo del camim*



Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
e a alma de sonhos povoada eu tinha...

E paramos de súbito na estrada da vida
longos anos, presa a minha a tua mao,
a vista deslumbrada tive
da luz que no teu lhar continha.

Hoje, segues de novo... Na partida
nem o pranto os teus olhos umedece,
nem te comove a dor da despedida.

E eu solitário, volto a face e tremo,
vendo o teu vulto que desaparece
na extrema curva do caminho extremo. 

(Autor: Olavo Bilac)

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* Este soneto chama atenção pelo título, pois dialoga com A Divina Comédia, de Dante Alighieri, através da citação (uma forma de marcar a intertextualidade) do primeiro verso desta obra.

Nel mezzo del camin de nostra vita
mi retrovai por una selva oscura:
ché la viritta via era smarrita

(A meio caminho de nossa vida
fui me encontrar em uma selva escura:
estava a reta a minha via perdida.)

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