UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Na Ilha por Vezes Ocupada


Na ilha por vezes habitada 
do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que 
não precisamos morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado 
definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, 
e dizem-se as
palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra 
e apertamo-la nas mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável:
o contorno, a vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, 
com a paz e o sorriso de quem se reconhece 
e viajou à roda do mundo infatigável,
porque mordeu a alma até aos ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raíz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.

(Autor: José Saramago)

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