UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

segunda-feira, 21 de junho de 2010

LIVRO: A mão esquerda de Deus


Category: Books
Genre: Literature & Fiction
Author: Paul Hoffman

Sinopse: O Santuário dos Redentores é um lugar desolador. Um lugar onde a esperança e a alegria não são bem-vindas. A maior parte dos meninos que habitam o lugar foi levada para lá muito nova e contra a vontade. Eles padecem sob o regime opressor dos Lordes Redentores, cuja violência e crueldade têm como único propósito honrar à memória do Redentor Enforcado – e passam suas vidas prisioneiros dos corredores labirínticos e tortuosos do Santuário, um lugar com séculos de história e segredos, e que ninguém conhece por completo...

No meio de um desses corredores há um menino. Talvez ele tenha 14 anos, talvez tenha 15: ninguém sabe ao certo. Lá dentro, é chamado de Thomas Cale. Seu verdadeiro nome, já esqueceu há muitos anos. Ele já esqueceu de tudo de sua antiga vida. Em breve, será a testemunha de um ato horrendo. E é neste momento que começará a sua extraordinária vida futura.

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Esse foi um livro que me atraiu pela capa! Estava lá no site da Livraria Cultura quando o vi. Daí fui ler o resumo e fui instantâneamente fisgada. Sabe aquela coisa "esse eu tenho de ler!" Pois foi assim... e posso garantir que esse livro é realmente uma experiência muito diferente!

Para começar, o livro se passa num tempo e num lugar indeterminado. Lembra muito a Idade Média, com suas guerras, armas e costumes; ao mesmo tempo, fala-se em dólar e alguns fatos mais contemporâneos. As religiões também são muito estranhas – o Redentor Enforcado lembra um pouco Jesus pelo sofrimento e pregação. Jesus, por sinal, é citado como o homem engolido por uma baleia! Achei muito interessante esse novo universo e sempre ficava procurando sinais para ver se reconhecia mais lugares e pistas sobre a época.

A crueldade de que os redentores são acusados no resumo é muito maior do que eu esperava. Os meninos sofrem horrores: passam fome, são constantemente surrados e punidos de diferentes formas, têm de se arrepender de pecados que nem sabem quais e o que são. Recitam atos de fé que não compreendem e somente podem viver um dia após o outro sem saber o que vem pela frente (a não ser mais castigos e provações).

É nesse ambiente que encontramos Cale, Henri Embromador e Kleist. Mesmo com a proibição de se criarem laços de amizades entre os acólitos, esses três desenvolvem uma proximidade e cumplicidade que pode ser confundida com amizade. E é num desses momentos em que eles se dispõem a serem adolescentes que eles se metem numa grande confusão que depois vai ter grandes repercusões e fazer com que partam numa grande aventura.

Adorei o modo como o livro foi narrado. O narrador não apenas relata os fato, ele os comenta com o leitor, criando uma cumplicidade como se estivesse conversando conosco. Fora que ele tem umas tiradas fantásticas que me faziam sempre reler as passagens com grande deleite! Veja um exemplo:

"Conforme afirma um famoso ditado, é uma boa coisa que as guerras sejam tão absurdamente caras, senão nós jamais pararíamos de travá-las. Por mais que isso seja verdade, também sempre parecemos nos esquecer que, embora possa haver guerras justas e injustas, nunca existem guerras baratas..."

Esse também é um livro em que ocorrem muitas reviravoltas – e não apenas com a trama, mas também no modo como nós, leitores, reagimos ao que acontece no decorrer da história. Um exemplo: teve horas em que acreditei que os Redentores tinham razão em tratar os meninos como tratavam, que quase entendi como punição e surras poderiam ajudar a moldar guerreiros – e isso mesmo eu sendo contra essa forma de violência e querendo mais ver esses Redentores pagar pelo que faziam!

Cale é um personagem muito interessante. Ele vai se revelando bem aos poucos e nos surpreendendo sempre. Tinha vezes que o narrador tinha de me lembrar que ele era apenas um menino de 15 anos, pois a história de vida dela era bem pesada e sua inteligência e visão de mundo eram de um adulto. E outra coisa que surpreende na história é a forma como Cale, Henri e Kleist têm muita experiência de vida em certos aspectos – armas, guerra, sobrevivência – e em outros são completamente ingênuos e inocentes. Para entenderem a sociedade de Memphis e se adaptarem aos novos costume, eles contaram com a ajuda de IdrisPukke, outro personagem intrigrante e misterioso, mas muito cativante!

Não posso esquecer de citar o Redentor Bosco, o Lorde da Guerra. Ele tem uma fixação por Cale que beira a obsessão. E não tem nada a ver com perversão sexual ou maldade pura e simples. Cale é parte de um plano – e esse é um dos grandes mistérios do livro – e Bosco planeja utilizá-lo de alguma forma obscura. Bosco está disposto a tudo para conseguir recuperar Cale e trazê-lo de volta ao Santuário – até mesmo declarar guerra contra um Império como Memphis.

Claro que por ser o primeiro volume de uma trilogia (o que adorei saber!) muita coisa ainda ficou por ser respondida e fechada. As cenas são muito bem descritas e, como já falei, a narração te coloca lá, no meio da ação. E, pelo realismo da descrições, já afirmo que estou com saudades de Thomas, Henri Embromador e Kleist... Espero que não demorem a lançar o segundo livro!

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