UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

terça-feira, 26 de abril de 2011

Despedida


   Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas não estão,
    Deixo o mar bravo, e o céu tranquilo:
  Quero solidão.
    Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
    E como o conheces? - me perguntarão.
  -Por não ter palavras, por não ter imagens.
   Nenhum inimigo, e nenhum irmão.
   Que procuras? - Tudo. 

Que desejas? - Nada.
    Viajo sozinha com meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
    Levo o meu rumo a minha mão.
   A memória vou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação...
    Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor, e o resto onde estarão?       
  Deixo aqui meu corpo, entre o céu e a terra.
     (Beijo-te, corpo meu, todo desilusão!
Estandarte triste de uma estranha guerra...)

(Autora: Cecília Meireles)

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