UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Você é o que ninguém vê

... Você é os brinquedos que brincou,
é os nervos a flor da pele,
os segredos que guardou,
você é sua praia preferida,
aquele amor atordoado que viveu,
a conversa séria que teve um dia com seu pai,
você é o que você lembra...

Você é a saudade que sente da sua mãe,
o sonho desfeito quase no altar,
a infância que você recorda,
a dor de não ter dado certo,
de não ter falado na hora,
você é aquilo que foi amputado no passado,
a emoção de um trecho de livro,
a cena de rua que lhe arrancou lágrimas,
você é o que você chora...

Você é o abraço inesperado,
a força dada para o amigo que precisa,
você é o pêlo do braço que eriça,
a sensibilidade que grita,
o carinho que permuta,
você é a palavras dita para ajudar,
os gritos destrancados da garganta,
os pedaços que junta,
você é o orgasmo, a gargalhada, o beijo,
você é o que você desnuda...

Você é a raiva de não ter alcançado,
a impotência de não conseguir mudar,
você é o desprezo pelo o que os outros mentem,
o desapontamento com o governo,
o ódio que tudo isso dá,
você é aquele que rema,
que cansado não desiste,
você é a indignação com o lixo
jogado do carro,
a ardência da revolta,
você é o que você queima...

Você é aquilo que reinvidica,
o que consegue gerar através da sua verdade
e da sua luta,
você é os direitos que tem,
os deveres que se obriga,
você é a estrada por onde corre atrás,
serpenteia, atalha, busca,
você é o que você pleiteia...

Você não é só o que come e o que veste.
Você é o que você requer, recruta,
rabisca, traga, goza e lê.
Você é o que ninguém vê...

(Autora: Martha Medeiros)

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