UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Fernão Capelo Gaivota


Este livro conta a história de uma gaivota 
que não se conforma em passar
a vida em busca de alimento, disputando 
um peixe com o resto do bando...
Fernão quer mais, quer alçar largos vôos, aprender, evoluir...
Sendo assim, passa seus dias 
e noites tentando, e tentando mais uma vez,
até a exaustão, a perfeição do vôo...
Sendo diferente de todos os outros...
“A maior parte das gaivotas não se preocupava 
em aprender mais do que os simples fatos do vôo
– como ir à comida e voltar. Para a maioria, o importante não é voar, mas comer.
Para esta gaivota, contudo, 
o importante não era comer, mas voar...
- Por que, Fernão, por que? – perguntava-lhe a mãe.
– Por que é que lhe custa tanto ser 
como o resto do bando?... Por que não come?...
- ... Eu só quero saber,... é tudo (respondia ele)
  ...Há tanto que aprender!
...Em vez da monótona labuta de procurar 
peixes junto dos barcos de pesca,
temos uma razão para estarmos vivos! 
Podemos subtrair-nos à ignorância,
podemos encontrar-nos como criaturas excelentes, inteligentes e hábeis.
Podemos ser livres! 
Podemos aprender a voar!
Certa vez, as gaivotas reunidas o esperavam, 
e ele é chamado ao centro,
o que poderia significar duas coisas: 
grande vergonha ou grande honra, 
e pensava consigo mesmo:
“...não quero honras... 
Só quero partilhar o que descobri, 
mostrar a todos esses
horizontes que estão à nossa frente...

Mas, o Mais Velho, em nome da dignidade 
e tradição das gaivotas, profere o veredicto:
Fernão é expulso, desterrado para uma vida solitária, 
acusado de ser irresponsável...
Irresponsabilidade? Meus irmãos! 
Quem é mais responsável do que uma gaivota que descobre e
desenvolve um significado, um propósito mais elevado na vida?
Passamos mil anos lutando por cabeças de peixe, 
mas agora temos uma razão para viver,
para aprender, para descobrir, para sermos livres!...
Mas seus argumentos não surtiram efeito...
Fernão Gaivota passou o resto de seus dias sozinho, 
mas voou muito além dos Penhascos Longínquos.
A solidão não o entristecia. 
Entristecia-o que as outras gaivotas 
se tivessem recusado a acreditar na
glória do vôo que as esperava. 
Recusaram-se a abrir os olhos e a ver.
Aprendia cada vez mais... 
voou através de nevoeiros cerrados 
e subiu acima deles
para céus estonteantes de claridade... 
enquanto qualquer outra gaivota ficava em terra,
conhecendo apenas neblina e chuva...
O que outrora desejara para o bando tinha-o agora só para si.
Aprendera a voar e não lamentava o preço que pagara por isso.
Fernão Gaivota descobriu que o tédio, 
o medo e a ira são as razões por que a
vida de uma gaivota é tão curta, e, 
sem isso a perturbar-lhe o pensamento, 
viveu de fato uma vida longa e feliz.
Tempos depois...
...As duas gaivotas que surgiram junto às suas asas 
eram puras como a luz das estrela...
- Muito bem. Quem são vocês?
- Nós somos do seu bando, Fernão. Somos suas irmãs...
Viemos para levar você para mais alto, para levá-lo para casa...
E Fernão Capelo Gaivota elevou-se com as duas gaivotas 
brilhantes como estrelas para
desaparecer num céu perfeitamente escuro.
Enquanto se afastava da terra e ultrapassava as nuvens, 
em formação com as duas gaivotas,
notou que o seu próprio corpo se tornava 
tão brilhante como os delas.
Em realidade, era o mesmo Fernão Capelo Gaivota 
que sempre vivera por detrás dos olhos dourados.
Só a forma exterior se modificara
...A lembrança da sua vida na terra sumia-se...
Nos dias que se seguiram, Fernão verificou que neste lugar 
havia tanto para aprender
acerca do vôo como houvera na vida que deixara para trás. 
Mas com uma diferença.
Aqui as gaivotas pensavam como ele.
Para cada uma delas o mais importante na vida 
era olhar em frente e alcançar a perfeição...

- Onde estão os outros, Henrique?... Por que somos tão poucos aqui? No lugar de onde eu vim havia...
- ... milhares e milhares de gaivotas. Eu sei – Henrique abanou a cabeça...
- A unica resposta que encontro, Fernão, é que você é um daqueles pássaros que se encontram num milhão.
Quase todos nós percorremos um longo caminho...
Tem alguma idéia de por quantas vidas tivemos 
que passar até chegarmos a ter a
primeira intuição de que há na vida algo mais do que comer...?
Mil vidas, Fernão, dez mil!
E depois mais cem vidas até começar a aprender 
que há uma coisa chamada perfeição,
e ainda outras cem para nos convencermos de que 
o nosso objetivo na vida é encontrar essa perfeição... 
escolhemos o nosso próximo mundo 
através daquilo que aprendemos neste...
...Nunca deixem de aprender, de treinar e de lutar por compreender
cada vez e melhor o perfeito e invisível princípio de toda a vida...
Vê mais longe a gaivota que voa mais alto.

(Autor: Nélio Filipe - Baseado no livro de Richard Bach)

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