UMA NÉVOA DE OUTONO O AR RARO VELA

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

(Autor: Fernando Pessoa)

  

  

 

 


 

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Adeus, Alma Querida

Se, no caminho do teu saara, 
encontrares uma alma que te queira bem, 
aceita em silêncio o suave ardor da sua benquerença - 
mas não lhe peças coisa alguma, não exijas, 
não reclames nada do ente querido.

Recebe com amor o que com amor te é dado - 
e continua a servir com perfeita humildade e despretensão.

Quando mais querida te for uma alma, 
tanto menos a explores, tanto mais lhe serve, 
sem nada esperar em retribuição.

No dia e na hora em que uma alma impuser a outra alma um dever, 
uma obrigação, começa a agonia do amor, da amizade.

Só num clima de absoluta espontaneidade 
pode viver esta plantinha delicada.

E quando então essa alma que te foi querida 
se afastar de ti - não a retenhas.

Deixa que se vá em plena liberdade.

Faze acompanhá-la dos anjos tutelares das tuas preces e saudades, 
para que em níveas asas a envolvam e de todo mal a defendam - 
mas não lhes peças que fique contigo.

Mais amiga te será ela, 
em espotânea liberdade, longe de ti - 
do que em forçada escravidão perto de ti.

Deixa que ela siga seus caminhos - 
ainda que esses caminhos a conduzam aos confins do universo, 
à mais extrema distância do teu habitáculo corpóreo.

Se entre essa alma e a tua existir afinidade espiritual, 
não há distância, 
não há em todo o universo espaço 
bastante grande que de ti possa alhear essa alma.

Ainda que ela erguesse vôo e fixasse o seu tabernáculo 
para além das últimas praias do Sírio, 
para além das derradeiras fosforecências da Via-Láctea, 
para além das mais longínquas nebulosas de mundos em formação - 
contigo estaria essa alma querida...

Mas, se não vigorar afinidade espiritual entre ti e ela, 
poderá essa alma viver contigo sob o mesmo teto e contigo sentar-se à mesma mesa - não será tua, nem haverá entre vós verdadeira união e felicidade.

Para o espírito a proximidade espiritual é tudo - a distância material não é nada.

Compreende, ó homem - e vai para onde quiseres!
Ama - e estarás sempre perto do ente amado...

Em todo o universo...
Dentro de ti mesmo... 

 (Autor: Huberto Rohden)

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